12 de jan. de 2009

GOMORRA



Roberto Saviano contou no livro - o tal da imagem - o que lhe revelaram sobre a mafia napolitana (a famosíssima Camorra em todos os seus cambiantes sujos e diversas áreas de actividade), para que depois Matteo Garrone o passasse a filme. Saviano adaptou o livro para argumento fílmico e depois de tanto hype em redor de ambos os objectos (livro e filme), vive agora permanentemente acossado pela mafia e sob protecção policial 24 sobre 24 horas. Efeitos e reacções conhecidas? Recordam-se de Rushdie?

O filme difere do livro essencialmente na forma em como é narrado, neste o relato é na primeira pessoa através do olhar de Franco, naquele Franco resume-se a uma personagem numa das cinco histórias que o filme documenta. E nestas cinco histórias desvenda-se a cara feia da mafia napolitana em toda a sua beleza própria (passo o contrasenso) numa peça que não é documental mas é um documento - e que poderia até chamar de um documental encenado. A filmagem é tão brutal e crua como o que nos é mostrado, sem a simplicidade e polidez de um Godfather ou Sopranos. Aqui mata-se e morre-se em guerras de território e vinganças acertadas em que a sobrevivência é o fundamental. E Gomorra é Camorra como é também Gomorra de Sodoma. A referência bíblica no nome é proverbial.

Este não é o estereótipo de filme de mafia que conhecemos mas é o paradigma do género - o mafioso engomado existe mas é o de pé descalço que é o real e é este que não tem rebates de consciência ao assassinar uma criança ou a tomar como alvo inocentes para atingir terceiros. Aqui é a vida feia e dura dos bairros de Nápoles que se mostra.sem luz especial nem tratamento de cenário ou maquilhagem acessória - é a pureza da fealdade.

A direcção de actores podia ser melhor, mesmo que trabalhando com amadores - tomo como exemplo Cidade de Deus, com uma direcção de actores excepcional e com o cast a integrar imensos locais (como curiosidade refira-se que em ambos os filmes elementos da produção foram presos posteriormente pelas mesmas razões que os levaram a interpretar nos filmes).

Um grande filme europeu a não perder. E nunca, nunca um doc mas um documento. A rever.

Visto no UCI, em companhia de gente linda, Küssen

Enlace | http://www.imdb.com/title/tt0929425

8 comentários:

disse...

Rafa, tenho imensa curiosidade em ler o livro e ver o filme. Pela minha relação com Nápoles e com a Camorra, claro. Recomendas alguma ordem: primeiro filme ou primeiro livro? É até uma questão que pode ser pertinente em termos gerais. Devermos ler sempre os livros primeiro, porque construímos as nossas imagens sem a perspectiva do realizador ou o contrário? E isso para todos os filmes/livros, ou depende?

Si disse...

Vi o filme e concordo com muito do que dizes: mostra mesmo o feio, o mau, o imoral, a falta de valores, etc, etc, para (sobre)viver.
Depois de ver o filme ouvi na rádio que mais de 70% da populacao de Nápoles está, de alguma forma, relacionada com a mafia!
Há poucas solucoes para escapar a isto e uma delas é fazer como o costureiro: deixar Nápoles.
[Tenho amigo de lá que optou por esta opcao e emigrou para UK]

Si disse...

Outra coisa:
para mim mesmo o feio pode ser "belo" - aquele edifício estranhíssimo onde se passa grande parte do filme tem tanto de feio como de interessante!
Concordas, Rafa?

rah pha disse...

tá > essa é uma questão que sempre me coloco quando me deparo com um filme baseado num grande livro (ou num bem publicitado livro, como saber se gostarei antes de o folhear?). Eu diria que não há ordem lógica (depende, portanto), mas costumo preferir ler o livro primeiro e deixar a imaginação vogar para completar, vendo o filme, com as restantes pinceladas. Mas normalmente o que isto produz é decepção depois do filme! A imaginação solta é muito maior arma do que a imagem que nos oferecem. Neste caso o livro surgiu depois, despertado pela curiosidade e hype em torno do filme. Beijo!!

rah pha disse...

si 1 > o costureiro acabou não propriamente por decidir sair, foi obrigado pelas circunstâncias. E não creio que exista falta de valores, bem pelo contrário, só não são os nossos valores nem a nossa moralidade. A moral ali é a disciplina da mafia (bem flutuante cartilha de moralidade e regras) e os valores são o da sobrevivência desesperada e do respeito pela hierarquia mafiosa. Mas que é feio e mau, isso sente-se até pelo tactear das folhas do livro e é claustrofóbica essa presença até pela tela!

rah pha disse...

s2 > como escrevi, o filme mostra a pureza da fealdade e tem a sua beleza própria. O filme não deixa de ser negro na sua condição, mas é belo na medida em que nos sentimos atraídos pela decadência humana e urbana. Talvez nos sintamos atraídos pelo contraste absoluto com a nossa própria envolvente e aquele pedaço de edifício, aquele jardim suspenso de babel, aquele formigueiro humano, aquele gueto nas alturas é belíssimo (o fascínio por algo perde-se na nossa pequena condição de antropólogo e porque nos sentimos bem seguros e não o experienciamos). De qualquer maneira, porque raio nos atrai tanto o feio? E é realmente feio o feio todavia?

Si disse...

rafa 2> "gostos nao se discutem", nao é? o que eu posso achar feio, outro alguém pode achar belo, e vice-versa. Tudo depende de cada ponto de vista :)

rah pha disse...

claro que gostos se discutem e ainda bem, é essa a substância de qualquer discussão que se quer! podemos é não concordar!