20 de mar. de 2008

HAMELIN

de Juan Mayorga

Partilho um outro livro de teatro, revelando revelando-me como verdadeiro apaixonado pelas artes performativas e pela dramaturgia. Apresento Hamelin, de Juan Mayorga, levado à cena em LX PT pelos Artistas Unidos no belíssimo espaço do Convento das Mónicas, à Graça; fruto de uma consistente encenação conjunta num espaço ainda provisório (aparte: espera-se resolução sobre o espaço d' A Capital, Teatro Paulo Claro, para a justa devolução de um espaço teatral ao coração do Bairro Alto e também como prometida sede para diversas companhias de teatro da capital, como os AU, vide polémica no sítio destes).

Sendo um texto de tão específico género literário - um texto de teatro, um texto dramatúrgico - para mim funciona de maneira tão própria, mecânica, quase teatral, porque preciso sempre de assistir ao trabalho materializado antes de me permitir ler o texto em que se baseou. Porque são linhas de trabalho, são linhas de pensamento, é um guia, é um guião, é um texto ainda em construção que se finaliza em palco. Por isso é que é necessário antes de ler qualquer peça exposta em papel, vê-la primeiro representada! Porque então será magnífico porque a cada passagem há uma imagem que se nos aparece, que se relaciona com o que vimos, que nos faz sorrir; seja ao relembrar a expressão daquele actor, a luz a incidir - contrapicada - sobre aqueloutra actriz, ao rever o monólogo cuspido sobre o público, os trejeitos, os jeitos e os gestos em palco, a esquerda alta ocupada e a direita baixa livre, tudo!

Penso e apresento agora Hamelin, que nos perturba com uma história bem actual retratando a pedofilia e contribuindo com outras pequenas tragédias humanas paralelas: Monteiro, um juiz, pai, homem, resoluto em descobrir e condenar os culpados, que em casa é um pai distante e que sente fascínio por Raquel, uma outra mulher na sua vida. Monteiro projecta o seu ainda possível amor de pai sobre a criança que tenta salvar e proteger, o pequeno Zé Maria. Os dramas familiares, os bairros pobres, as extremas condições de vida numa família numerosa sem condições, tudo isto apimenta o cenário de aflição e quase incapacidade de resolução que nos é servido.

Hamelin é todo aquele que manobra como quer sem respeitar nada nem ninguém, atropelando quem quer sem ser desviado desse caminho; somos todos nós também, que seguimos ainda indiferentes perante muita coisa má, sem revolta, sem comentário. Recomendo mas com esta nota importante: vejam primeiro a peça.

nota :: da colecção de Livrinhos de Teatro dos Artistas Unidos X

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