30 de dez. de 2009

ÁGORA


















Este foi o filme mais honesto que me recordo de ter visto sobre a época clássica. Dos que me vou recordando enquanto componho estas linhas não encontro nem um em que o interesse histórico e a curiosidade fílmica não tenham sido ultrapassadas por um gostinho demasiado acre a falta de rigor histórico. O recurso à espectacularidade é desnecessário, mas convenhamos, um filme é um produto comercial e alguns dos ingredientes acrescentados a (por exemplo) Gladiator, 300, Cleópatra, Ben Hur, Quo Vadis, Spartacus e outros tantos, só os fizeram ficar mais apetecíveis enquanto produto e portanto, mais vendáveis.

Em Ágora encontram-se alguns retoques ao guião com esse propósito mas nada que o estrague verdadeiramente, até porque a incursão americana de Amenábar não é assim tão profunda (desde The Others e seguido por Mar Adentro). Ágora conta a história da filósofa / astrónoma e matemática Hipátia de Alexandria no Século IV. Encontramos o Império Romano em decadência e em plenas lutas religiosas - os diversos grupos confundem-se com os estratos sociais e afirmam-se com crescente extremismo e violento antagonismo. Se os pagãos são ainda a classe política e intelectual dominante dos cidadãos patrícios romanos e os judeus os comerciantes, são os cristãos - ainda não divididos pelo primeiro Cisma - que constituem o grosso das classes baixas e da classe escrava. Enquanto o Império se desmancha é no seu seio, muito alimentado pelas diferenças económicas e sociais, que frutifica a religião cristã em detrimento das anteriores divindades (e hierarquia social) do Império. Hipátia pertence à classe dirigente de origem helénica - ensina na Biblioteca de Alexandria e preocupa-se apenas com o avanço do conhecimento filosófico, longe das terrenas questões teológicas.

A história de Hipátia - que se encontra documentada - é extremamente bem contada e serve para nos introduzir dentro da época conturbada de então, o rigor histórico é extraordinário (sobretudo na reconstituição da cidade de Alexandria e da sua biblioteca, por via de maquetes e computação gráfica), os desvios são mínimos e destinam-se a adocicar a história (a morte de Hipátia é bastante mais leve no filme do que o foi realmente - presume-se) e a tornar o filme emocionalmente mais acessível (o amor platónico do escravo de Hipátia por esta e o seu interesse pela astronomia). O único erro que aponto a Amenábar é a recriação do líder religioso cristão como um fanático - o que até pode não andar muito longe da verdade, não fosse a actuação do actor se aproximar perigosamente à ideia que temos de extremista e terrorista.

O filme é excelente e recomendo. Deslumbrem-se como eu com as vistas aéreas de Alexandria.

Visto contigo - Picoas, LX

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